Valdemar António Horta, 82 anos, dos quais 62 dedicados ao comércio, continua, dia após dia, a abrir a sua mercearia conhecida como “Casa Horta”. É um verdadeiro exemplo de resiliência. 
Atravessou diversas crises, mas nunca caiu na tentação de fechar a porta “ainda que os clientes escasseiem, ainda que haja dias em que na loja não entra ninguém”. 
Todas as manhãs coloca alguns produtos do lado de fora do estabelecimento para chamar a atenção dos potenciais clientes, a técnica de marketing mais tradicional, e senta-se num banco, junto do molho de bacias coloridas, a ver a vida passar.
“Aqui há muito movimento, os carros não param, mas a pé não passa ninguém”, refere com um ar conformado o comerciante mais antigo e o único que se mantém no Largo do Principal, mesmo no início da Rua da Costa Pequena. “Esta é uma zona turística, passam aqui muitos turistas que vão visitar o Castelo, mas os turistas não compram”, acrescenta. 
A mercearia teve os seus dias áureos no tempo em que a baixa era o coração que fazia pulsar a cidade de Bragança. “Aqui ao lado era a PSP, a GNR a Guarda Fiscal, ali funcionava a Câmara Municipal, em frente os Bombeiros, as Finanças eram também ali à frente”, aponta em jeito de comparação com a atualidade onde as poucas entidades e serviços que funcionam no centro histórico fazem atendimento por marcação, “as pessoas vêm à hora certa e vão embora, não circulam”.
Nesse mesmo tempo, que com tanto carinho guarda na memória, “havia mais de mil residentes entre o Principal e o Castelo, agora nem chegam a cem”. Os mais velhos já partiram, os mais novos mudaram-se para apartamentos modernos nos bairros novos da cidade. “Há uma nova centralidade”, refere, compreendendo que pouco se poderá fazer para inverter este ciclo.

O maior “golpe” para o negócio, a par do decréscimo de residentes na zona, foi “a entrada na CEE”, afirma. A criação da atual União Europeia que liberalizou a circulação de pessoas e bens entre países, prejudicou os pequenos comércios das zonas de fronteira, que tinham no país vizinho importantes clientes. “Vinham muito os espanhóis, compravam peças de cobre, relógios e outras coisas, agora com as fronteiras livres, as fábricas exportam diretamente e já não têm necessidade de vir cá buscar esses produtos”, conta. Era o tempo do contrabando, tantas vezes promovido nas “barbas” das autoridades locais, que faziam “vista grossa”, compreendendo a necessidade de uns e a oportunidade de outros.
Valdemar Horta descontou durante 32 anos para a Caixa Nacional de Aposentações: “ainda contaram os anos de tropa, também fui durante uns anos presidente da junta, mas esses anos não contaram”, e sobrevive com a vergonhosa reforma de um comerciante, pouco mais de 400 € mensais”. “Quem nunca descontou recebe quase o mesmo”, lamenta. Ao fazer estas afirmações, nos olhos do senhor Valdemar sentimos alguma deceção, mas não revolta, talvez porque a paixão, o orgulho pela sua profissão foi sempre o que o moveu. “Eramos sete irmãos, todos estudaram e tiraram cursos superiores eu fui o único que decidi ser comerciante, como a minha bisavó, o meu avô e o meu pai”. A sucessão termina com Valdemar Horta: “Tenho três filhos e não querem saber nada disto, um é professor de liceu, está em Braga, outro é Comandante na Marinha e o terceiro é bancário, está empregado cá em Bragança”, refere com o orgulho de um pai que conseguiu dar “futuro melhor” aos filhos e que ainda está disponível para apoiar os netos. “Foram os tostões que fomos amealhando no comércio, durante a nossa vida, que nos permitiram formar os nossos filhos e manter-nos agora com alguma dignidade”, diz.  
Talvez por gratidão ao negócio, Valdemar Horta todos os dias acorda motivado para ir abrir a mercearia, sabendo à partida que a freguesia “não espera”, mas ainda assim é ali que se sente bem. “Se não viesse para aqui ficava em casa, sentado a ver televisão, isso é uma prisão”, responde argumentando que ali, enquanto vê os carros passar, sempre vai passando um conhecido, um amigo, sempre vai conversando, sem sentir o tempo passar.
Valdemar Horta é um dos associados mais antigos da Associação Comercial, Industrial e Serviços de Bragança (ACISB), ainda fez parte dos órgãos sociais, como tesoureiro, e vê neste organismo um “apoio” para o que for preciso. “Não tenho precisado, mas sei que posso contar com a ACISB”, refere. O jantar dos comerciantes era um momento que lhe causava muita alegria: “não faltava nunca, ainda recebi uma medalha pela antiguidade”. Nos últimos anos faltou-lhe a vista e deixou de ir. 
“E assim vou andando gemendo e chorando… e conversando”, remata este resiliente e sorridente Senhor que aos 82 anos continua a honrar a profissão de comerciante.