Associado de Valor
“Um dia Deus vai-me levar”, afirma entre risos, Armando Rebelo, de 80 anos, comerciante há 70 anos. E só nesse dia, em que Deus o levar, tenciona largar a profissão. Desejando que esse dia ainda esteja longe, o senhor Armando, um dos comerciantes mais antigos e mais conhecidos da cidade de Bragança, sobe e desce com desenvoltura as escadas para a cave, onde tem o armazém, sobe e desce com agilidade o escadote para alcançar o tecido que a cliente, naquele momento, quer ver e possivelmente comprar. “Continuo a ter boas pernas e faço este exercício dezenas de vezes por dia sem grande esforço, para além das pernas ainda tenho cabeça, enquanto assim estiver por aqui continuo, não me estou a ver todo o dia em casa sentado no sofá”, argumenta.
E é este o espírito que, na opinião de Armando Rebelo, define a essência de um comerciante: “vivemos do cliente, mas vivemos também para o cliente”.
Do alto da sabedoria que a idade lhe confere afirma que ser comerciante é “uma arte”, lamentando que nesta profissão exista muita gente atrás de um balcão sem saber o que anda a fazer, sem a menor vocação, que acaba por “manchar” a nobreza dos homens e mulheres que por vezes “vestem a profissão de padres”, escutando confissões sem fazer julgamentos, mantendo total sigilo sobre cada desabafo, outras vezes assumem o papel de “psicólogos, ouvindo e aconselhando”, que fazem em cada cliente um amigo, que percebem que a cordialidade fica bem em qualquer lugar.
Cada cliente é único e dever ser tratado como tal.
E quando assim é os comerciantes tocam a vida das pessoas, criam memórias, fazem parte das boas histórias que os clientes guardam para a vida. “Um dia deste estava aqui uma cliente a contar à neta que fui eu que lhe vendi o primeiro xaile, ainda era ela uma criança e eu também, veja lá o tempo em que isso foi”, recorda entre sorrisos de saudade.
Histórias desta são às dezenas, a Casa Armando funciona há 52 anos no mesmo lugar, na rua Almirante Reis, no centro da cidade de Bragança.
Tempos difíceis que não permitem fazer comparações com a atualidade. “Nesse tempo financeiramente e culturalmente a vida era diferente, a maneira de gastar o dinheiro era diferente”, conta. A primeira “revolução social” que Armando Rebelo conheceu acompanhou o processo da emigração.
Terras de interior como Bragança viram centenas de filhos partir à procura de melhor fortuna, principalmente para a França, e a verdade é que muitos conseguiram, e se viviam uma vida de trabalhos e sacrifícios no país de acolhimento, também é verdade que enviavam remessas de dinheiro para Portugal que fizeram a economia crescer e florescer.
Esses mesmos emigrantes quando regressavam a Bragança vinham com outro conforto financeiro e já tinham uma outra perspetiva de como utilizar o dinheiro, beneficiaram também de processos de aculturação que acabaram por trazer para cá.
Foi nessa altura que os comerciantes viram também os negócios crescer.
Outro marco importante, apontado por Armando Rebelo, foi a entrada de Portugal na União Europeia, na altura designada de CEE (Comunidade Económica Europeia).
“Começou a entrar muito dinheiro em Portugal e isso sentia-se no bolso dos fregueses”. Num passado muito recente a recessão económica, que levou o nosso país a precisar da intervenção da Troika, teve um enorme reflexo negativo no comércio, mas, ainda assim, não tão forte como aquele que o setor atravessa atualmente. “Temo que o COVID represente a destruição total para muito negócio”, lamenta, franzindo a testa de preocupação. É a tristeza e o medo que sente no olhar dos poucos clientes que por estes dias vão à loja que o deixam antever que, possivelmente, o pior ainda está por vir. “Agora percebe-se que é o medo que retrai as pessoas, mas em pouco tempo poderá chegar a maior recessão económica de sempre e não sabemos que consequências estão por vir”, sublinha.
As recentes notícias sobre a vacina em nada o tranquilizam: “ainda é tudo muito dúbio”, refere.
“Há já muita gente desesperada, estamos todos a tentar aguentar, um afogado agarra-se até a uma palha, mas até quando?”
Uma preocupação que esconde atrás da máscara que o protege e com a qual pretende proteger cada cliente, encerrando a conversa com um sorriso de esperança que transmite com o olhar vivo e sereno de quem quer contrariar as circunstâncias atuais.