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Associado de Valor
31/07/2020



 
Tinha apenas 11 anos quando foi aprender a arte de relojoeiro com o pai, primeiro em Idanha-a-Nova, de onde é natural, mais tarde em Castelo Branco para onde se mudou com a família.
Aos 15 anos recebeu o primeiro salário. Trabalhava de dia e estudava à noite, tirou o Curso Comercial e, aos 22 anos, mudou-se para Bragança, cidade que o acolheu como filho e que assumiu como sua. “Vim trabalhar para a firma Alcino e Pinto, uma ourivesaria, já não existe, era ao fundo da rua (Rua 5 de Outubro), vendiam relógios e ouro”, recorda. 
Dez anos mais tarde abriu, no lugar onde ainda hoje mantem a porta aberta, na Avenida João da Cruz, N.º 1, e é aqui que continua a passar os dias. “Já trabalho pouco, também já ninguém tem relógios

Não faz promoções, nunca fez, nem cria grandes expetativas em relação ao dia seguinte. “Isso é um erro, temos de saber esperar que o cliente venha e ele vem, se precisa vem”, afirma convicto.
Das “promoções” que representem descontos nunca foi adepto. “Nós compramos o produto, temos a nossa margem de lucro, que calculamos de forma honesta, não podemos vender mais barato do que compramos”, defende.
É aqui que o comerciante reconhece que as grandes superfícies comerciais prejudicam o comércio tradicional. A sua dimensão e escala permite-lhes comprar a preços mais baixos e vender igualmente de forma mais competitiva do que o comércio tradicional. Mas, com certeza, que nos grandes espaços comerciais o cliente não leva uma peça com história, não leva dois dedos de conversa descontraída, nem os sorrisos abertos de quem trabalha com arte e com gosto.

Ilda João
Nos últimos 20 anos, atrás do balcão, vemos o rosto sempre sorridente de Ilda da Conceição João, casada há duas décadas com João Sousa. Aos 69 mantem-se ágil e alegre e é ela que mais lida com os clientes e que melhor tem percebido as mudanças de comportamento. No setor dos relógios o negócio caiu, não apenas pela transição do analógico para o digital, mas sobretudo pelos canais de venda. “Agora as pessoas compram os relógios pela internet, os nossos fornecedores estão sempre a falar nisso porque também é com recurso a lojas online que eles vendem mais”, conta.    
para arranjar, quando muito vem mudar a pilha”, conta.
É uma das artes que foi desaparecendo, naturalmente, com o passar dos anos. “Desde que apareceram os relógios a pilhas, digitais, raramente aparece um relógio com corda”, lamenta. O trabalho exigia muita minucia e perícia, mas João Sousa realizava-o com a paixão de quem ama a sua arte e com a precisão que é exigida aos melhores profissionais.
Esta terá sido a grande mudança no negócio que o comerciante registou. “Os tempos mudam, mas os clientes vêm sempre, há alturas melhores, outras piores, é preciso aguentar”, afirma, com a convicção de quem já passou por muitas “crises”, sem que nenhuma o tivesse derrubado.

 
Na área da ourivesaria lá vai o tempo em que o mês de agosto era um mês de muito negócio. Os emigrantes regressavam com dinheiro e tinham gosto em comprar peças em ouro, “também era hábito oferecer peças de ouro em ocasiões especiais, as pessoas tinham gosto, valorizavam, agora vai tudo à bijuteria”. 
Atualmente, porque o ouro está caro e, quiçá, o poder de compra da maioria dos clientes está aquém da possibilidade de aquisição de joias com regularidade, as pessoas compram pouco e quando entram numa ourivesaria, optam pelas peças em prata. “É o que se vende mais”, revela a comerciante.
João Sousa mantém-se tranquilo enquanto a companheira de duas décadas fala das mudanças na sociedade, o seu olhar revela indiferença pelo exterior, continua a ver os clientes e os amigos que passam pela loja, vai descansando e dormitando, decidido a manter o negócio, a casa que construiu e onde, aos 90 anos, continua a passar os seus dias.